Como Produzir Uvas De Alta Qualidade Dominando As Fases Fenológicas Da Videira
Nesse artigo, eu vou te ensinar as fases mais importantes da videira para uma produção de uvas de alta qualidade. Inclusive, entender essas fases foi o que me ajudou no início da minha carreira como agrônoma a produzir uvas não só com mais qualidade, mas Mantendo um bom padrão durante todo o ano.
Neste artigo vou te ensinar sobre as seguintes fases:
Índice de conteúdo
Como acontece o ciclo de desenvolvimento em videira?
Todo cacho de uva ou garrafa de vinho que você compra no supermercado tem uma história para contar, e essa história começa lá no parreiral. A cada safra existe uma interação entre a planta, o solo, o clima e os cuidados que você deve ter com o seu cultivo, pois todos esses fatores influenciam na qualidade final do produto.
A videira é uma planta perene, lenhosa, caducifólia (perde as folhas) e sarmentosa, provida de órgão de sustentação especializado (gavinhas). O ciclo da videira varia de acordo com a região produtora, podendo variar de 3 a 5 meses meses (região de clima tropical) a 1 ano (região de clima temperado). Em clima temperado a dormência, estágio em que planta deixa de fotossintetizar, ocorre de forma natural. Em regiões de cultivo tropical como o Vale do São Francisco, esse estágio ocorre de forma induzida e monitorada.
Iniciando um novo ciclo:
A dormência é a fase em que a planta “descansa” e acumula reservas que será utilizada no ciclo seguinte. Então, ao final da dormência, os produtores podam as videiras com o objetivo de preparar a planta para a próxima safra. A poda e a desbrota (retirada do excesso de brotos) são duas das atividades importantes para a produção de uvas de alta qualidade. Na execução da poda, o produtor retira o material da safra anterior, deixando apenas os ramos que serão utilizados na safra seguinte. O número de ramos é definido com base na produtividade esperada, bem como características da variedade.
A brotação ocorre quando as gemas ficam inchadas, e assim os novos brotos aparecem. Nesta fase, o crescimento é lento no início e à medida que a temperatura média aumenta, o crescimento e o alongamento da parte aérea (ramos e folhas) aceleram. Após três ou quatro semanas, começa o período de crescimento mais rápido – onde as brotações podem crescer em média 2.54 centímetros ou mais por dia.
Na desbrota, são selecionados os brotos mais desenvolvidos e que estão bem posicionados na planta, a fim de regular o crescimento vegetativo (brotos e folhas) e a produtividade (número de cachos por planta) para que a planta possa produzir de forma equilibrada e com qualidade.
Conforme os dias esquentam, a floração ocorre e aos poucos ocorre também a frutificação. Nesse momento, a luz solar e a temperatura são importantes para as funções fisiológicas da videira, como a fotossíntese.
Mudando a coloração das bagas:
Aos poucos os bagas vão crescendo e se desenvolvendo. A “Veraison”, termo Francês, é o momento em que os cachos gradualmente começam a amolecer e mudar da cor verde para vermelhas ou pretas, isso ocorre nas variedades de cor. Nas variedades verdes, os cachos apresenta uma colocarção translúcida. O intervalo entre a poda e a colheita é diferente para cada variedade e região produtiva. Ao contrário de muitas frutas frescas, as uvas devem ser colhidas quando os frutos estão totalmente maduras. Depois da colheita, os frutos não se tornam mais doces, então o período de colheita é crucial para garantir uma uva com bom sabor e qualidade.
Em região tropical, como o Vale do São Francisco (VSF), o comportamento fisiológico da videira é diferente de qualquer outra região do mundo. Em regiões de cultivo tradicional de uva, o ciclo da videira é baseado no clima local, mas no Vale, o produtor é quem determina quando o ciclo da videira começa e termina. Esse controle de ciclo é realizado graças as condições climáticas locais e o manejo adequado da irrigação.
Continue lendo esse artigo para entenda com mais detalhes as fases do ciclo de videira independente da região de produção.
Dormência
A dormência é uma etapa importante do ciclo anual da videira, ocorre quando o crescimento, o desenvolvimento vegetativo param temporariamente e a planta “descansa”. Naturalmente, a dormência é causada por baixas temperaturas e redução da duração do dia (Fennel et al. 1996). A queda das folhas é uma característica marcante dessa fase. No Vale (VSF) como o clima é favorável para o crescimento vegetativo, não existe a dormência natural e a planta praticamente tende a “trabalhar” o ano todo. Para induzir a planta a entrar em dormência, o produtor aplica um estresse hídrico na planta através da redução da lâmina de irrigação. O objetivo dessa prática é retardar ou “travar” a emissão de novas brotações para que a planta stop o crescimento vegetativo e acumule reservas para o próximo ciclo.
Poda
A poda é o momento em que os produtores preparam as videiras para a próxima safra. A eficiência na execução dessa atividade é crucial para a produção de uvas de qualidade. No momento da poda, o produtor retira o material da safra anterior, deixando apenas os ramos que serão utilizados na safra seguinte. Em escala comercial, a determinação do número de ramos que serão deixados na área depende da análises de gemas, confira nosso artigo sobre como fazer análises de gema em videira.
Os tipos de podas mais utilizados são: poda curta (esporão 3 – 4 gemas) e poda longa (6 – 8 gemas). Atualmente, produtores que trabalham com duas safras no ano no VSF utilizam dois sistemas de podas mistas:
1) 4 varas por saída, deixando 3 varas com 6 – 8 gemas e 1 esporão com 3 a 4 gemas;
2) 5 varas por saída, deixando 4 varas com 6 – 8 gemas e 1 esporão com 3 a 4 gemas.
Esse sistema de poda mista é utilizado com o objetivo de renovar o material para a próxima poda e melhorar a distribuição das varas de produção na planta, evitando a predominância de varas excessivamente longas.
A variedade cultivada também influencia no tipo da poda, em variedades de baixa fertilidade o produtor deve fazer uma poda longa (varas com mais de 8 gemas) para aumentar a probabilidade de obtenção de cachos. Nas variedades com cachos pequenos (> 350g), o produtor poder fazer uma poda mista, deixando mais ramos por planta ou varas mais longas, mas mantendo uma boa distribuição dos ramos.
O que fazer para aumentar uniformização de brotação?
Em regiões de clima tropical, o produtor aplica 2-5% de cianamida hidrogenada (Dormex® – produto comercial) após a poda – ou até 24h após – para auxiliar quebra de dormência e uniformização de brotação na videira. Esse produto é utilizado como suprimento artificial da endodormência das gemas. No entanto, o modo de ação desse produto ainda não está totalmente esclarecido, podendo estar relacionado seus efeitos no sistema respiratório das células e interferência em alguns processos enzimáticos que controlam o repouso das plantas, como, por exemplo, a atividade da enzima catalase (responsável pela decomposição do peróxido de hidrogênio tóxico às células). Vale ressaltar, que quanto menor o intervalo de tempo entre a poda e a aplicação da cianamida hidrogenada, melhor a eficiência do produto e melhores os números de brotos obtidos.
Brotação
É o momento em que as gemas da videira começam a inchar e as folhas verdes começam a aparecer através das escamas. Os primeiros brotos começam a crescer e são nutridos pela energia derivada dos carboidratos armazenados nas raízes, troncos e ramos durante a dormência, e logo após alguns dias, os novos brotos começam o processo de fotossíntese.
Desenvolvimento de ramos
O crescimento do ramo é lento no início, mas aos poucos as folhas, os brotos se expandem e os cachos se desenvolvem. À medida que a temperatura média aumenta, o crescimento e o alongamento da parte aérea (folhas e brotos) aceleram. O período de crescimento mais rápido ocorre após duas a quatro semanas da brotação. Na videira, a fotossíntese ocorre assim que há tecido verde nos brotos, no entanto, devido à alta atividade metabólica, não há produção líquida de assimilados até que várias folhas se expandam completamente.
Floracão
Floracão
As flores da videira são classificadas como inflorescência (termo botânico). O eixo principal do cacho é chamado de ráquis ( popularmenete conhecido como engaço). O tempo entre a brotação e a floração depende da temperatura da região de produção e da variedade, em zonas temperadas varia de seis a nove semanas, no Vale esse período é mais curto, variando de quatro a cinco semanas.
Quando as condições são favoráveis, as flores geralmente florescem por oito a dez dias, novamente, na região do Vale esse período é reduzido. A videira cultivadas possuem flores hermafroditas oi perfeitas – o que significa que possuem partes masculinas (estames) e femininas (carpelos) em uma mesma flor. A caliptra (ou corolla) é um tecido de proteção para os estames e o carpelos é composto por três a nove pétalas esverdeadas firmemente unidas na ponta. Diferente de outras flores, a abertura de uma flor de uva ocorre com rompimento da caliptra que se desprende na base, em vez de se separar na ponta. Imediatamente após a floração, os grãos de pólen se abrem e liberam o pólen para que ocorra a polinização.
Frutificação
A fertilização das flores ocorre dois a três dias após a polinização, e quando a flor é fertilizada começa a desenvolver baga para proteger a semente. As variedades comerciais de uva sem sementes ou “apirênicas” são resultadas do processo de estenoespermocarpia, no qual logo após a fertilização, os embriões são abortados e a semente para de se desenvolver, resultando em frutos sem sementes. Durante a fase de frutificação até a maturação as bagas de uva passam por vários estágios de crescimento.
Frutificação – Fase Herbácea/Expansão celular – Fase I
O período inicial de crescimento é muito rápido, devido à divisão celular e aumento celular. As bagas são verdes, duras e aumentam de tamanho rapidamente. Nessa fase as bagas apresentam um teor baixo de açúcar, mas são ricos em ácidos orgânicos.
Frutificação – Fase estacionária/Fase Translúcida – atraso do crescimento da baga para ínicio de coloração (veraison) – Fase II
Nesse estágio a taxa geral de crescimento de bagas é reduzida. No início da fase II de crescimento, as bagas atingiram pelo menos metade do tamanho final. A fase de estacionária é menos proeminente nas variedades sem sementes em comparação com as variedades de sementes.
O estágio de amadurecimento inicia quando as bagas começam a amolecer e mudar de cor, na fase de “veraison”. O amolecimento ocorre devido à desmontagem gradual das paredes celulares do mesocarpo e ao declínio do turgor celular do mesocarpo no final da fase de atraso do crescimento da baga.
Nas variedades de cor (vermelhas e negras), a mudança de coloração é resultado da presença de pigmentos de antocianinas. Nas uvas brancas, não há mudança de coloração. A cor verde é resultado da presença de clorofilas e carotenóides (ambos diminuindo durante o amadurecimento). Nesta fase, a uva verde fica com uma tonalidade de amarelo pálido ou translúcido
Em variedades de coloração, no início da fase veraison (5-10% de bagas colorida no cachos) o produtor aplica reguladores de crescimento (Etileno ou ácido abscísico) para promover a melhor coloração dos cachos.
Figura 8: Cachos de uva iniciando coloração – veraison.Em variedades de coloração, no início da veraison (5-10% de bagas colorida no cachos) o produtor aplica reguladores de crescimento (Etileno ou ácido abscísico) para promover a melhor coloração dos cachos.
Frutificação – Fase da maturação – Fase III
Durante a fase de amadurecimento, as bagas começam a acumular açúcares, enquanto a acidez diminui. As bagas aumentam de tamanho rapidamente, devido ao enchimento das células. A casca das bagas se tornam translúcidas nas variedades verdes, coloridas nas variedades vermelhas e negras, neste momento o sabor característico da variedade se desenvolve.
O período de maturação é determinado por variedade e pelas condições climáticas do ambiente.
As mudanças na doçura, acidez e outros componentes começam a desacelerar quando as bagas estão maduras. A taxa de mudança difere de acordo com a variedade.
Colheita
A uva é uma fruta não climatérica (não amadure após a colheita), então colher a fruta no nível de maturação adequado é o ponto de sucesso do produtor.
O ponto de colheita depende do teor de açúcar, cor, tamanho e a uniformidade do cacho. O teor de açúcar é medido com auxílio de um a refratômetro durante a fase de maturação. O teor de açúcar na uva é medido em grau brix, assim 1ºbrix corresponde 1 g de açúcar em 100 ml do suco da uva.
1ºbrix = 1 g de açúcar/100ml de suco de uva
Uma vez colhidas, as uvas frescas são facilmente danificadas pelo manuseio brusco, temperaturas quentes, umidade excessiva e organismos causadores de deterioração. Após as colheita, os cachos de uvas são cuidadosamente inspecionados e imediatamente enviados para o packing house onde são embalados e posteriormente acondicionados no frio. Alguns produtores brasileiros fazem a embalagem no campo, mas isso não é uma prática comum no nosso país. Na Califórnia, quase 100% da uva é embalada campo.
Embalagem e comercialização
Logo após a colheita/embalagem, o calor do campo é removido da fruta em instalações de armazenamento a frio. As uvas são armazenadas em temperaturas entre -1ºC a 0ºC . A partir embalagem até chegarem ao seu destino final, as uvas serão mantidas em um ambiente cuidadosamente regulado para garantir que cheguem com boa qualidade. A comercialização pode ser par o mercado local ou exportação. No Vale, 70% da produção é exportada para outros países, os principais destinos consumidores dessas uvas são: Europa, Canadá, Oriente Médio e Estados Unidos.
O que ocorre com a videira após a colheita?
Depois que as uvas são colhidas, a videira continua o processo de fotossíntese, criando reservas de carboidratos para armazenar nas raízes, troncos e ramos da videira até que um nível adequado de reservas sejam armazenados. Nesse ponto, a clorofila nas folhas começa a se decompor e as folhas mudam de cor de verde para amarelo. Em clima temperado, quando as temperaturas baixam, as folhas começam a cair dando início ao período de dormência no inverno.
No Vale, esse processo é induzido através de técnicas de manejo para simular um processo natural de indução de dormência na planta. Assim, esse processo ocorre através do controle de irrigação (redução das lâminas aplicadas) e uso de etileno para induzir a senescência na planta. As reservas de carboidratos armazenadas serão usadas no crescimento inicial na safra seguinte.
Referência:
Keller, M. (2020). The science of grapevines. Academic press.
Keller, M. (2010). Developmental physiology. The Science of Grapevines: Anatomy and Physiology, 169-225.